Ela acordou com as bochechas coradas e a pele descansada. Músculos relaxados.
O frescor indizível de uma sentença de morte. Só os desenganados dormem desta maneira, ela refletiu. Uma piedosa concessão; último golpe de misericórdia do seu próprio corpo em colapso, talvez.
Levantou-se para o seu último dia de trabalho. Vestiu o vestido mais bonito, azul-escuro. Não tão curto. Pôs no rosto a maquiagem de sempre, leve, adequada para o escritório e esticou os dentes no sorriso mais atrevido de que era capaz. A empáfia derradeira dos que sabem que encontrarão a morte cruzando a esquina.
Despediu-se do marido, que também se aprontava para o trabalho. Com um beijo doce e mordaz, ela pensou em dizer: não a veria jamais.
Despediu-se sem dor, todavia. Não havia mais dor. Ainda a sorrir, ela considerou que contra todas as evidências, estava tornando-se uma atriz.
A caminho do ponto de ônibus, os passos firmes. Os saltos quadrados delinearam o seu último rastro neste mundo.
Com a mão direita suspensa no ar, ela interrompeu o gesto de sinal para o ônibus. E um momento de hesitação. O coração em gorgolejos descompassados de repente parou. O gole sôfrego de ar que ela engoliu ainda sorrindo não mentia. O fôlego final da sua vida.
"O fôlego final de sua vida."
ResponderExcluirSerá?
E.
E quem seria "E."?
ResponderExcluirÔ.o
se ela fizesse natação durante os anos da juventude, provavel que tivesse aguentado até chegar ao trabalho...
ResponderExcluirPois é. Às vezes a licença-poética esbarra distraída na verossimilhança.
ResponderExcluirAcontece.
Digamos que, como de costume, é meio a meio... a velhinha existe, mas ela não deu seu ultimo suspiro esperando pelo onibus como era de se imaginar. e vice-versa ;P
ResponderExcluirbsj