sábado, 22 de maio de 2010
Azul
Influenciada por dois autores que venho lido nos últimos meses, resolvo subverter um pouco a ordem das coisas ao postar hoje.
Como Vila-Matas (Enrique), decido começar o texto de hoje pela nota de rodapé - ao que ele faz bem mais, visto que se deu ao gracioso trabalho de escrever um livro inteiro só de notas de rodapé. E ainda sobre o tema labiríntico do silêncio na literatura.
Tarefa complicadinha, porém fascinante essa de se embrenhar no que ele chamou de Síndrome de Bartleby. O mal último e secular na literatura, que culmina na gaguez e por fim, na mudez completa e irremediável.
E como Abelaira (Augusto), eu opto por desalinhavar a linearidade óbvia do tempo cronológico, fazendo passado e presente se interpenetrarem, numa sobreposição de sentidos, orquestrada por sua vez pelo princípio, que talvez seja o único que eu considere absoluto: a repetição.
Ainda que eu esteja me referindo à repetição diferencial.
E ainda que eu queira muito que ela seja diferencial, praticamente sendo uma aposta de fé.
Sendo assim, repito em vinte e dois de maio de dois mil e dez o azul - o azul oceânico - de vinte e seis de fevereiro de dois mil e oito.
Um dia de peixes, se me perguntam.
Espero.
E tal como tenho fé em mim mesma e ao mesmo tempo não tenho, espero.
Por isso preciso do silêncio; só no mais completo silêncio, no ruído algum de hoje, no azul profundo as palavras surgem translúcidas com a sonoridade tilintante dos cristais lapidados.
Como eu preciso desse silêncio hoje.
Queria essa calmaria ingurgitada que só têm os oceanos; o balançar lento e constante das tartarugas marinhas; o silêncio das baleias e cachalotes, seguidas por cardumes de peixes pequenos e prateados aos pinotes. Esse silêncio.
Da lisa pele gorda dos sirênios até meus dedos, as gotas escorrendo, uma por uma, sem som.
Queria também, em seguida, a força de uma tempestade que avança nesse exato momento, que irrompe, rasga e destrói a placidez daquilo que é líquido.
Porque esse mesmo silêncio que eu quero pede, mais que isso, ele existe para ser rompido, para ser consumido pelas tempestades elétricas de sentido.
Quero o silêncio e o curto-circuito.
Aquilo que é calmo e o que é disruptivo.
Num movimento pulsante, entre aquilo que vivo e o que não vivo, eu ligo, costuro o que o não faz sentido; ora me calo e ora repito.
Créditos da foto: Bernardo Castanho.
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