Desencaixotando Rita

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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

"my very own l'albatros"


essas asas de gigante
impedem-no de andar
                      na terra
[baude diria
a seu respeito]

uma pequena revolução
feita em curvas
      e lascas pontiagudas
                    [a parte do fogo
                     que o constitui
                    cobra seu preço]

os que vivem na água
não compreendem a tua
fundamental instância
                do voo
       e pouso

o nosso céu da boca
                   em festa una
                            de dois

             porque
há algo em você
que não se esgota
[     que demanda
________________
/ incorre / me ganha
  na exigência atroz
                de brilho,
          fagulha súbita
                tímida     ]

                mesmo
          na    hesitação
-  e    você,   meu    bem,
 é criatura exímia na graça
      de   s e r      titubeante,
        nesse bruxuleio de chama
                  envergonhadíssima

                    de sua  própria luz

porque mesmo as pedras
                 luzem à noite,
     guardam
    calor em seus núcleos
            para uma dança sísmica
     que escapa aos nossos olhos

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

"a paixão segundo r.p."

mordo e observo partes duras
movendo-se na oscilação entre
luminosidade e desaparecimento.
mordo,
em busca de algo que reflita luz, sem
pontos de interferência, sem
sobreposição de planos sensoriais,
essa sinestesia opressiva que anuncia
que toda alegria é temporária. 
ando mordendo a ponta dos dedos,
mordendo as páginas estrategicamente
abertas
e a essas alturas do quase verão 
do rio de janeiro,
eu preciso de neve como quem precisa
acordar de um sonho excessivo,
lindo sim, mas
com a beleza descomunal
dos colapsos e vulcões despertos.
tenho sentido uma compressão lenta
da alma, como se estivesse me tornando
uma pessoa pequena aos poucos, diminuindo
milímetro por milímetro, ainda assim 
mantendo as proporções,
como uma anã liliputiana de Rosa Montero,
aguardando o eventual desaparecimento.
"é um engano", é o que você diria, 
e eu ainda estou esperando,
estou esperando que você me diga
"sim, você está enganada", mas eu não estou.
sim, pequenas surpresas ardem na virada do dia,
mas não estou enganada quanto a isso:
hei de inventar um outro nome para isso que morre
na virada do dia e renasce bicho difuso, ainda sem 
penugem, sem consciência 
da metamorfose que guarda em si.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

galápagos



há que existir um pacto telúrico:
               uma existência de trópico
exige essa consistência turva de 
                                        sulco.

o processo é doloroso
para aqueles que um dia
viveram
na água

           então, 
esse vermelho
tinge o mar todo
em coágulos 
         águas-vivas 
sanguinárias dançam
rascantes pela praia
          à noite
o seu relevo ulcerado
[a mesma superfície das
         estrelas marinhas]
retine a velha sereia 
em sua habitação
                 sem som

mas eu
eu não sobrevivo na água,

sou atravessada
por um baque luminoso
de holofote e dor.
perfuro a rocha 
e me livro das anêmonas
                         salgadas
feridas em fúria, 
em movimentos circulares,
            concêntricos.
atinjo a antecedência da terra,
                      mas permaneço
em estado de ilha, como em meditação 
forçada, como réptil que abdicou da
                          habilidade aquática,
em desajuste sólido, seco.
uma desadaptação equivocada,
esse desterro primeiro
que precede 
a espécie 
               e o reino.