Desencaixotando Rita

Desencaixotando Rita
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sábado, 22 de novembro de 2014

"síndrome de estocolmo"

[        isso é o ensaio de algo?       ]
, você me pergunta na porta
            do quarto -  os hiatos
em meu discurso abertos à tua
observação, ao teu toque ruidoso.
       centro     e margem dispostos,
como num jogo de tabuleiro
e eu peço um   tempo    para responder,
pois não sou boa com cenas, com cri-
anças ou fogões, você sabe e sorri teu
sorriso netuniano. eu meio que desvio
o olhar e busco, nas paredes de cal,
por um orifício, um traço que      turve
        o teu corpo solarizado, bruto,
logo você me pergunta, irisado
de repente:
[     mas isso,   isso   tem nome?        ]
                 não, eu digo.
volto-me para a cama, desolada, pois
estes lençóis freáticos de crisálida
       em desalinho, desaguam
       no mar
       e não retornam jamais.

                             e esse é o ponto angular
da tua célula terrorista, amor,
cá estamos a lutar pela terrível liberdade
de bater os dentes , tremer de fome,
sede,   amor,                         hipnotizados
[   e  agora,    ainda   é    um    ensaio?    ]
                 pela oportunidade
de morrer,  amor,   
de morrer de medo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

"enquanto você esteve fora, meditando em retiro pelas montanhas"

eu, que segundo a psicologia analítica de Jung,
seria um caramujo introvertido, labiríntico
e temperamental, experimentei golpes de
ternura maciça e dormi irrequieta, na cama
demasiadamente grande, com tua camisa
do Velvet Underground,  a banana de Andy
Warhol manchada de sangue e não chorei
nenhuma vez, nem uma vez, você me conhece.
enquanto você esteve fora por quase cinco
dias inteiros nas montanhas, para meditar
e cozinhar vegetais-mas-não-raízes, pois
são proibidas, eu dancei, escondida pelas quinas
dos móveis a espanar, refazendo teus passos-
fantasmas pela casa, pensei na tua costela quebrada,
e costurei todos os botões arrancados pelos teus
dentes afiados, com agulha e linha de verdade,
como uma boa mulher, como uma mulher de verdade.
você esteve fora por quase cinco dias inteiros e eu refiz
mentalmente o percurso ardiloso do acaso que nos pôs
juntos aqui nesta casa de dois cômodos e louça discordante;
fiz algumas compras imaginárias de vinhos e espumantes
para celebrar um destino e tive um pequeno contratempo
que logo se mostrou digno da minha atenção. a verdade é que
explodiu o disjuntor monofásico do apartamento e temos aquilo
que parece ser uma bela clivagem por aqui. metade da casa acende,
obediente - a minha metade -, mas a outra metade rebelou-se
contra a sua ausência, parece, e recusa, recusa ameaçadoramente,
com faíscas ostensivas e risco de curto-circuito, a luz.
metade da casa recusa a luz como numa encenação, a mímesis
de um negativo da sua presença, como um luto prolongado, ressentido,
pelo favorito que parte, o habitante de fogo que dorme aqui, mas não está
presente. enquanto você esteve fora, meu querido, a meditar nas montanhas,
eu assisti serenamente a transfiguração da sua metáfora ígnea em realidade, e
esvaziei a geladeira de todos os seus itens, esperando pelo inevitável degelo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

"a luz me atravessa pelos ouvidos"

somos seres
descontínuos
feitos de pó
       [ sal ]
palavra inquieta
no céu
          da boca


o        pouso
    sereno
na língua

      é asa

lambida
        de vento
[interditada]
         à boca
da ponta de
teus dedos

nossos pés
ascendem
                   alto
cristais 
de gelo
em êxtase
       ártico.

          ursos polares
tocam oboés
e címbalos
        em teu nome
        em tua homenagem,
porque você é um irmão
                       canino, lobo arauto

          porque                   
essa segunda pele
           logo eclodirá

   da cicatriz

e meus tímpanos
       já vibram:

ouço
     o mar chegar

            finalmente 
            aqui

Sendo Greta Gerwig

por uma estética desesperada do fragmento.


Não tenho certeza, mas acho que estou ouvindo um assovio submarino desde que acordei. Aparentemente uma baleia beluga achou por bem dissolver-se no meu fígado; é bem verdade que certos patês oleosos e cantos marinhos só desaparecem assim, esquadrinhando meus lobos hepáticos, e em alguma dimensão paralela, num universo desconjuntado onde sou alguém qualquer, alguém diferente disso aqui, tenho sonhado que observo como uma voyeur várias sessões de sexo selvagem entre delfins mediterrâneos.
Não fazer parte. Não fazer parte de nada e se desconectar com a facilidade de um fio. Essa ladainha familiar de Greta Gerwig tem se feito ouvir. Não fazer parte de nada. Achar que é possível, mas não ser. 
Não ser possível é uma única possibilidade em que pude ser incluída até agora.

Acordei horrorizada com a impressão gelada de que eu poderia ser Greta Gerwig, com os dentes de foca insubordinada, adoráveis dentes alinhados, mas de uma linhagem pura, essa arcada dentária das focas da Groelândia, que trazem a missão de insurgir contra a opressão que as obriga a migrar todo verão.
E se eu for Greta Gerwig, existe a chance de que eu seja Lola Versus ou Florence Márr. Ou pior, Frances Ha. E isso é insustentável. É um feminino terrível, pestilento; ser Greta Gerwig é, em certos sentidos, pior do ser Medeia, Medusa. Não há útero primevo, não há mistério sendo Greta Gerwig. Há a linda descoberta desoladora de que não é possível ser diferente do que se é.

Há a turba obscura, o labirinto do minotauro que só leva ao centro e o centro, Frances, é você.

Há a fase terracota, as cores quentes, os personagens criados e perdidos antes de chegarem à frágil existência de papel, mas não há esperança de um nascimento da vênus. O sol nasce para todos, mas vênus não nasce para Greta Gerwig. Até existe um certo lirismo, eu posso dizer: ácido, pós-moderno, um lirismo de sereia blooming, bêbada e existencial, com múltiplos vestidos de coquetel e nenhum dinheiro no banco, nenhum prodígio oculto. 

Me pergunto se há uma desistência em ativamento, o fim de Rita: o sexo nas entrelinhas.

A promessa de uma maior proteção contra as bactérias e dias mais verídicos, com feixes obscuros, mas precisos. Saturno completa mais uma volta perfeita ao redor do sol e tudo permanece exatamente como deveria ser.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Litania


é de suma importância que
                    não sucumbam
os peixes          defeituosos
e aves
       mesozoicas
que habitam as
casas               geminadas,
justapostas como conchas
neste seu condomínio ístmico
[uma serenidade vegetal
                       pressupõe
dentre outros, esses pequenos
                       cuidados]
                   

parece, meu querido, que tudo neste universo inteiro
            de         ilhas                e          vulcões              adormecidos

depende da minha existência precária
em sua célula terrorista

     ao meu epicentro
transmigram
suas cachalotes e leões marinhos
em exílio:
                uma festa por vir.

essa calma bovina
pesa paralisando meus
músculos faciais - e
espero
[com a convicção
a partir da qual
crescem os ossos]
que a pausa
estique-se
naquela
suspensão poderosa
que
precede        toda
         revolução