beibe, meu fuso-horário
está errado, e ainda tenho
neve embargando os trilhos.
adormeço quando estás
acordando e sinto a vida
despertar enquanto pendem
pesadas suas pestanas de
índio sulamericano. quem sabe
o nosso moderno feitiço de áquila
urbano não encara um final melhor
do que esse daguerreótipo de euforia?
meu fuso-horário em permanente
descompasso, as estações
por aqui estão alinhadas com outros
hemisférios: a neve doce afunilando
os trilhos e um jet lag amoroso que
de tão incurável, fez-se congênito, pior:
hereditário. deixei passar o último
comboio de retorno solar. fui comunicada
que a translação tem coberto umas quatro,
cinco ruas apenas, os bairros arredores e o bairro
peixoto. [quando é que foi que inverti
os meridianos?]
beibe, tem algo errado com o meu fuso-horário,
eu como nos horários certos e durmo como
um anjo: oito horas a invejar os bebês contemporâneos
com TDAH. programo relógios para me darem sus-
tos em momentos diversos, mas tenho intervalos
amnésicos e sei que ando por aí, desacordada,
praguejando em línguas mortas. tem um problema
com o meu fuso-horário, um problema grave.
tenho milhas geográficas e uma vasta quilometragem
nos sapatos: nítida certeza de um cansaço ancestral
de eras e círculos fechados.
beibe. meu. fuso-horário.
está. quebrado.
eu salto continentes em cantorias, atravesso oceanos
a nado borboleta, mas permaneço aqui
na decalagem, esperando o resto do mundo acordar.
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